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O “país do futuro” tem futuro?



Artigo de Caetano Scannavino, publicado na Folha de São Paulo, edição de 30 de outubro de 2018. Abaixo, o texto na íntegra, sem a edição realizada pelo jornal:

O “PAÍS DO FUTURO” TEM FUTURO?


Muitos cresceram ouvindo o Brasil como “país do futuro”. Em tempos de crise climática, quando as riquezas começam a mudar do negro do petróleo pro verde da floresta em pé, faz todo sentido quando esta é a nação da Amazônia, dos maiores aquíferos, bacias hidrográficas, da luz do Sol, ventos, costas, áreas agricultáveis como poucos.

Resta saber aproveitá-las para fazer a hora sem esperar acontecer. Ao invés disso, seguimos entre os que mais desmatam, contaminam rios, grilam terras, país recordista em matança de indígenas e ativistas socioambientais. Só que nada vai mudar enquanto nossa sociedade não chamar pra si essa agenda, sem achar que é só “pauta de ecologista” – sem falar que, pra parte das esquerdas, a questão ambiental é vista como “coisa de burguês”; pra direita, como “problema técnico”.

Mais do que visão romântica, meio ambiente é economia. Serão impagáveis os custos de ainda mais retrocessos somados aos das oportunidades perdidas. Só o recuo ambiental no pior cenário poderá custar US$ 5 trilhões ao Brasil até 2050 [“The threat of political bargaining to climate mitigation in Brazil” - https://goo.gl/ZfkBeb].

E o pior cenário poderá se confirmar caso o recém-eleito Jair Bolsonaro presidente mantenha os planos do até então candidato, preocupação manifestada durante a campanha por 60 grandes grupos que representam 43% do PIB e integram o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável - CEBDS [https://goo.gl/bFYMXV].

Dentre suas propostas, está a de se isolar com Trump pela saída do Acordo de Paris, subordinar o Ministério do Meio Ambiente ao da Agricultura, flexibilizar o licenciamento no país que há pouco matou um Rio Doce, liberar a venda de Terras Indígenas, parar as quase paradas demarcações (além de revogar as mais recentes), e facilitar o acesso à armas de fogo para os já bastante armados proprietários de terras.

Ao defender o fim de “todo tipo de ativismo” e da “indústria de multas ambientais” – isso onde já reina a impunidade, menos de 4% são quitadas – fragiliza as resistências reprimindo quem denuncia ilegalidades e enfraquecendo dos órgãos de fiscalização. Com menos controle social e autuações, quem comemora é outra indústria: a de crimes, corrupção e desastres, que por sinal deu as caras na campanha com ataques ao IBAMA e ICMBio.

Na Amazônia, o ilegal é legal, o que deveria ser exceção é regra. Se por exemplo alguém quer explorar madeira fazendo a coisa certa, não vai conseguir concorrer com o preço baixo da tora tirada de forma irregular. Quebra ou vai ter que mudar de lado. Ao contrario do que o então candidato propôs, o que é preciso são politicas para estimular que as boas práticas se tornem hegemônicas e predominem.

Sem uma séria revisão programática do governo eleito – menos mal que sinalizou recuar em algumas propostas – corremos o risco de perder os mercados de commodities mais exigentes, de sofrer retaliações comerciais, de encarecer custos, inclusive do agronegócio. Sem florestas, não tem água; sem água, não tem agricultura. Quem é a favor do agro deveria ser o primeiro a combater o lado ogro do setor e pressionar por bom senso.

Desenvolvimento não é autorizar o desmate ilegal para converter florestas em pasto ou soja que vai alimentar gado na China — ainda mais com tanta terra por aí. Ou garimpar com mercúrio vazando nas águas enquanto 90% do ouro vaza pelo mercado negro sem pagar impostos. Ou minerar para exportar alumínio e importar bicicleta de alumínio.

Restringir visão de desenvolvimento a isso é se apequenar, é querer ser pautado ao invés de pautar. Com tantas riquezas que nos foram agraciadas, temos todas as condições como Nação de liderarmos novos paradigmas, de liderarmos o futuro.

Só no Brasil, com a proteção dos territórios indígenas, estudo do conceituado WRI [“Benefícios Climáticos, Custos de Posse: O caso econômico para a proteção dos direitos de terras indígenas na Amazônia” - https://goo.gl/W3naum] estima nas próximas duas décadas uma rentabilidade entre US$ 523 bilhões e US$ 1,165 trilhão, levando-se em conta os benefícios globais do carbono e a conservação do ecossistema, como água limpa, solo, polinização, biodiversidade e controle de inundações. Apenas na Amazônia, a  ciência vem descobrindo nos últimos anos uma nova espécie a cada dois dias [estudo do Mamirauá/MCTIC/WWF - https://goo.gl/CPPRcM].

Faz sentido quando dizem que desmatar uma floresta primária é como deletar um HD sem saber o que tem dentro, inclusive eventuais curas de doenças até então sem cura. O que não faz sentido é atender pressões para não ratificar o Protocolo de Nagoya – em vigor desde 2014, um marco na regulamentação do acesso aos recursos genéticos e no reconhecimento dos direitos de soberania das nações detentoras sobre sua biodiversidade. Não é justo um bioma como a Amazônia gerar benefícios globais, mas seus custos de conservação permanecerem locais.

A guerra dos mundos nesses novos tempos não é mais pólvora, e sim, mais ciência e tecnologia. No caso da Amazônia e suas tantas universidades que formam gente pra ir embora, é preciso olhar para além do agronegócio. Não seria proibitivo vislumbrar polos estratégicos na região com plantas industriais de baixo carbono, focadas em inovação, pesquisa, tecnologia, biotecnologia, processamento de produtos florestais “Made in Brazil”. E no caso das áreas agricultáveis já consolidadas no Bioma, vale também a mesma lógica de modernização, com politicas e investimentos que reduzam os impactos e aumentem a eficiência, a rentabilidade, em detrimento ao lucro fácil da especulação de terras.

O que está em jogo não é o desenvolvimento, mas qual caminho seguir, se pra muitos ou para poucos, se pra frente ou para trás, se pra passar ou para sempre, se pela vida ou não…

Caetano Scannavino é empreendedor social, dirigente da ONG Projeto Saúde e Alegria

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