Arquivo MTV II Caravana 2017 |
Fundada há 358 anos, a cidade de Santarém foi edificada sobre território indígena. Com a chegada dos portugueses, os primeiros donos da terra foram submetidos a um processo de violência colonial que provocou o extermínio físico de milhares de seres humanos. Os que sobreviveram foram explorados e forçados a se adaptar ao modo de vida do colonizador: tiveram de abandonar suas línguas, adaptar seus costumes e esconder suas manifestações religiosas.
Essa política etnocida fez com que o poder público declarasse, no século XIX, a extinção dos povos indígenas em Santarém, os quais teriam se convertido em “caboclos”, integrados à sociedade hegemônica. Assim, tiveram negado o direito às suas terras como povos indígenas, e a sua cultura própria foi invisibilizada.
A imposição do silêncio, porém, não durou para sempre. No final do século XX, mais conscientes dos seus direitos, muitas comunidades passaram a declarar publicamente a ancestralidade indígena: “O sangue e o sonho dos antepassados permanecem em nós!”. Em 2019, já são 65 comunidades indígenas no Município de Santarém, lutando por demarcação de terras, saúde e educação escolar indígena. É por essa história de resistência que consideramos inaceitável que o juiz Airton Portela seja agraciado com a principal honraria do Município.
Quando esteve responsável pela Justiça Federal em Santarém, esse magistrado publicou uma Sentença com conteúdo racista e discriminatório contra os povos indígenas da região. Contrariando o princípio do autorreconhecimento étnico, afirmou que os Borari e Arapium da Terra Indígena (TI) Maró não são índios, mas caboclos.
Ao tentar anular a demarcação da TI Maró com esse fundamento racista, Airton Portela cometeu uma violência que atingiu não apenas os Borari e Arapium, mas todos os povos indígenas de Santarém e do Baixo Tapajós. Tentou calar a voz dos indígenas que a séculos resistem às violências do processo colonial.
A sentença de Airton Portela sobre a TI Maró consistiu num atentado contra os direitos territoriais indígenas, dos quilombolas e demais populações tradicionais, que se baseiam no autorreconhecimento étnico. Negar esses direitos é permitir que os latifundiários do agronegócio avancem sobre as terras da nossa gente, trocando as ricas florestas de Santarém por campos de soja. Quem atropela os direitos dos legítimos donos desta terra não é digno de honrarias.
Por tudo isso, afirmamos a nossa indignação e o nosso repúdio não só com esta homenagem. Mas também repudiamos o descaso, por parte da Prefeitura de Santarém, para com as políticas públicas que deveriam trazer dignidade aos povos do campo, das águas e das florestas, aos povos indígenas, quilombolas e demais populações tradicionais do nosso município.
"Nossos antepassados viveram nesta terra. E nós viveremos nesta terra por muito mais tempo do que as sentenças de extermínio de nossos povos. Nenhum direito a menos!”
Santarém (PA), 21 de junho de 2019
ho. A medalha tem como objetivo homenagear profissionais que contribuíram para o desenvolvimento da cidade e da sua gente, não sendo o caso deste homenageado.
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