DIA INTERNACIONAL DA MÃE TERRA (22 de abril)
Anos e anos de pressão,
especialmente das insistentes mobilizações dos povos originários e da
publicação da Carta da Terra no ano 2000, fruto de um processo internacional
participativo com adesão de mais de 4.500 organizações da sociedade civil e
organismos governamentais, levaram a ONU a declarar, em 2009, o dia 22 de abril
como Dia Internacional da Mãe Terra.
Agora, no ano 2020, a celebração
do Dia da Mãe Terra está sendo realizada com a humanidade vivenciando uma dura experiência
de globalização: em meses, um denominado “novo coronavírus” está afetando todos
os povos do Planeta. Levado pelos diversos caminhos do mercado, desde o do
turismo até o de mercadorias, sua rápida capacidade de contágio só encontrou a
estratégia de isolamento de todas as pessoas como medida capaz de diminuir a sua
velocidade e evitar o colapso dos serviços públicos e privados de saúde.
O orgulhoso mercado
globalizado experimentou seus limites e contradições, e hoje a economia
capitalista, cultuada como um ídolo todo-poderoso, revira-se no esforço de
prever o tamanho da sua queda.
As pessoas, contudo, estão
refazendo o aprendizado de viver a partir de sua casa – ou da falta dela -, e
com tempo para refletir sobre o sentido da correria, do desgaste e exploração a
serviço do um crescimento econômico sem limite num planeta limitado, e num
sistema que concentra riqueza em poucas mãos e multiplica inseguranças e
miséria para a maioria da espécie humana.
De 2009 até hoje as grandes
empresas, conglomerados monopolistas, operadores das commodities, mineradores,
agronegócio, sistema financeiro e os governos subservientes aos seus interesses
não mudaram suas práticas de se apropriar e de explorar à exaustão os bens
naturais dos biomas, destruindo tudo o que podia ser transformado em lucro. Isso
acelerou de modo especial o desmatamento da floresta da Amazônia e do Cerrado,
e a maioria da população foi empurrada a viver em grandes cidades
estruturalmente discriminadoras e racistas, sobrevivendo em favelas, sem
direito garantido a trabalho, moradia e meio ambiente saudável.
Esses projetos desenvolvimentistas,
que avançam sobre os bens públicos e comuns com a conivência e apoio do Estado,
são responsáveis pelo agravamento das mudanças climáticas e pelo fracasso do
controle das emissões de gases de efeito estufa. As consequências presentes são
os desastres causados por secas, enchentes, ventanias, intrusão salina, rebaixamento
dos lençóis freáticos, elevação do nível dos mares e outros eventos extremos,
que no futuro tendem a se multiplicar e agravar na medida que o planeta aquece.
Os povos originários e
comunidades tradicionais, ao contrário, consolidaram seus modos de vida
fundados na compreensão de que a Terra é um ser vivo e fonte de vida, Pacha Mama,
Mãe Terra. Contribuíram de forma decisiva para os avanços políticos que levaram
o Equador a incorporar na sua Constituição, elaborada por uma Assembleia
Constituinte Popular e aprovada por um Plebiscito nacional, um capítulo sobre
os Direitos da Natureza, assim definidos:
A natureza ou Pacha
Mama, onde se reproduz e realiza a vida, tem direito a que se respeite
integralmente sua existência e a manutenção e regeneração de seus ciclos
vitais, estrutura, funções e processos evolutivos. (Capítulo VII, Art. 71)
Da mesma forma, a Bolívia
reconheceu estes direitos no Plebiscito de 2012 que aprovou a Lei da Mãe Terra.
E, com certeza, há busca de novas práticas e novas relações com a natureza nas
economias indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais, no crescimento
dos plantios agroecológicos e agroflorestais, nas práticas de convivência com o
Semiárido brasileiro e com os demais biomas, na economia popular solidária e em
muitas outras iniciativas populares.
Precisamos reafirmar: já há
práticas que demonstram ser possível estabelecer relações de convivência com os
biomas e desenvolver, ao mesmo tempo, iniciativas de produção dos bens
necessários à vida. É falso o dilema: ou manter o equilíbrio ecológico ou
produzir o que a humanidade precisa. Primeiro porque a humanidade precisa,
antes de qualquer outra coisa, de condições naturais favoráveis à sua
existência: ar limpo, água pura, vegetações, flores, espaços agradáveis de
encontro e de intercomunicação... Depois, já existem provas de que é possível
produzir o que as pessoas e os demais seres vivos precisam – atenção: o que
precisam – cultivando, trabalhando amorosamente com as energias da Terra,
superando práticas de agro e hidronegócio, de extração de minérios e fontes
fósseis de energia, isto é, de exploração cada vez mais intensiva dos solos,
água e ar, usando produtos químicos para que as mercadorias garantam lucros
crescentes.
Tendo por base as
possibilidades construídas pelos povos e comunidades, e denunciando o caráter
destrutivo das práticas empresariais e das políticas governamentais dominantes,
as redes e entidades que subscrevem essa declaração pública assumem o
compromisso de lutar, implementando mobilização nacional, em defesa dos
direitos da Natureza, a nossa Mãe Terra. Ninguém, nem mesmo a totalidade dos
seres humanos, somos donos, senhores da Terra. Ela, sim, é senhora da nossa
vida. Como durante bilhões de anos se manteve viva e em evolução sem os seres
humanos, certamente poderá continuar viva sem a presença da espécie humana. A
humanidade, porém, só poderá continuar viva e ter direitos se reconhecer,
defender e cuidar dos direitos da Mãe Terra.
É por isso que assumimos
a defesa do direito da Mãe Terra à floresta e à sociobiodiversidade da Amazônia,
bem como dos demais biomas, para ter condições de garantir equilíbrio hídrico
em todo o território brasileiro e da América do Sul. Defendemos igualmente a obrigação dos
seres humanos e do Estado brasileiro de parar definitivamente o desmatamento e os
incêndios criminosos, assumindo a obrigação de restaurar a biodiversidade destruída,
na Amazônia e em todos os biomas, para que a Terra possa garantir a geração de
umidade e chuvas, como ela desenvolveu em seu processo evolutivo.
A crise humanitária gerada
pelo Coronavírus prova que podemos viver de outra forma. Toda crise tem lições
a nos ensinar. O isolamento social forçado nos obrigou a desacelerar o ritmo de
vida. O desenvolvimentismo desenfreado, como se o planeta não tivesse limites,
está em cheque. Esse é o momento para mudar o rumo da caminhada humana, reconhecendo,
defendendo e cuidando dos direitos da Mãe Terra, para que a espécie humana seja
de fato expressão consciente e amorosa da Mãe de todos os seres vivos.
Brasília,
22 de abril de 2020
Fórum Mudanças Climáticas e Justiça
Socioambiental (FMCJS)
Articulação Antinuclear Brasileira (AAB)
Articulação dos
Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Articulação Semiárido Brasileiro (ASA)
Associação de Combate aos Poluentes
(ACPO)
Associação de Saúde
Socioambiental (ASSA)
Associação Escola Família Agrícola Jaguaribana (AEFAJA)
Associação Movimento Paulo Jackson - Ética, Justiça,
Cidadania
Associação para Recuperação e Conservação do Ambiente (ARCA)
Associação Solidariedade Libertadora (ASSOLIB/MA)
Campanha Nem um Poço a Mais
Cáritas Brasileira (CB)
Central de Movimentos Populares de
Rondônia (CMP/RO)
Centro de Defesa dos Direitos Humanos de
Petrópolis (CDDH)
Coletivo Mura de Porto Velho
Coletivo Popular Direito a Cidade, Porto Velho-RO
Comissão Pastoral
da Terra (CPT)
Comitê de Energia Renovável do Semiárido
(CERSA)
Comitê Defensor da Vida Amazônica na Bacia do Rio Madeira
- Núcleo FMCJS/RO
Conselho
Indigenista Missionário (CIMI)
Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP)
Federação de Órgãos para Assistência
Social e Educacional (FASE)
Fundação de Educação e Defesa do Meio
Ambiente do Vale do Jaguaribe (FEMAJE)
Grupo Ambientalista da Bahia (GAMBÁ)
Instituto
Calliandra de Educação Integral e Ambiental
Instituto
Madeira Vivo (IMV)
International
Rivers (IR)
Laboratório de Pesquisa em Educação,
Natureza e Sociedade (LabPENSo), da UERJ-FEBF
Movimento Baía Viva (RJ)
Movimento Tapajós Vivo (MTV)
Núcleo Cerrado FMCJS
Núcleo de
estudos Amazônicos da UNB (NEAz)
Observatório
Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA)
Ouvidoria Geral Externa da Defensoria Pública do Estado
de Rondônia
Pastoral do Meio Ambiente da
Arquidiocese do Rio de Janeiro
Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA)
Rede Jubileu Sul Brasil (JSB)
Sindicato dos Trabalhadores do Sistema
Único de Saúde de Goiás (SINDSAUDE/GO)
ADESÕES
A adesão a esta Carta
Pública continua aberta às entidades através do e-mail fclimaticas@gmail.com
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